quarta-feira, 2 de junho de 2010

SER MISSIONÁRIO - #4 - Conclusão

Ser missionário no regressar

Ao finalizar esta breve reflexão gostaria de fazer uma referência a uma etapa que, às vezes, passa despercebida: o regresso, temporário ou definitivo, do missionário à Igreja que o enviara. No Evangelho de São Lucas, Jesus envia os discípulos dois a dois em missão, à sua frente. Eles partiram, tentaram pôr em prática os ensinamentos do Mestre e, mais tarde, “voltaram cheios de alegria” contando a Jesus tudo o que tinham realizado. Estavam particularmente radiantes porque, diziam eles, “até os demónios se sujeitaram a nós, em teu nome”. Lendo o relato evangélico notamos que Jesus refreia o optimismo e o entusiasmo dos discípulos, recordando-lhes que tudo aquilo que fizeram é devido ao poder de Deus e não ao mérito pessoal de cada um deles. Aliás, Jesus parece recomendar que não se deixem cegar pela contemplação dos prodígios realizados (Lc 10,17-20).

Regressar é, neste sentido, voltar às origens, à comunidade que enviou, à fonte de onde brota a vocação missionária. Regressar faz bem à missão, fortalece os laços entre as comunidades, cria elos recíprocos, faz crescer a unidade e promove a partilha, não só de bens materiais mas, sobretudo, de experiências de fé. Recordemos a este propósito o texto dos Actos dos Apóstolos que descreve o regresso de Paulo e Barnabé a Antioquia após a sua primeira viagem missionária (Act 14, 26-28). Reuniram a comunidade que os tinha enviado e “contaram tudo o que Deus fizera com eles, e como abrira aos pagãos a porta da fé”. O regresso serve, pois, para animar a comunidade cristã e fazer crescer a esperança narrando as maravilhas que Deus faz por esse mundo fora.

Os padre ou as religiosas que vão regularmente de férias ao seu país natal, ou que regressam definitivamente, os leigos que retomam a sua profissão após um ou dois anos na missão e os voluntários que regressam a casa após um curto período de trabalho missionário fora da sua pátria, voltam diferentes, sobretudo se conseguiram viver plenamente as etapas anteriores: ser enviado, partir, e chegar ao destino.

Muitas vezes, o regresso custa tanto como a partida, porque voltar também é partir… de lá para cá. A partida de José Freinademetz de Puoli para outra região da China significou uma pequena dor no seu coração como ele escreve: “Desta vez não pude conter as lágrimas. Começava a querer demasiado aos meus cristãos de Puoli... mas o missionário não deve estar preso a nada e menos aos seus filhos espirituais. O meu melhor lugar será sempre aquele em que Deus necessite de mim.”[1]

Nalguns países é corrente fazer-se uma celebração de envio, quando os missionários regressam definitivamente à sua pátria de origem ou vão passar alguns meses de férias. No Ghana, por exemplo, isto é uma prática comum para desejar boa viagem ao missionário e para lhe confiar as notícias da comunidade que deve comunicar àqueles que vão o receber de volta. O esquema e o significado simbólico desta celebração estão relacionados com as celebrações tradicionais de bênção aos que partem em viagem para longe da família ou da aldeia. Dessa celebração tradicional faz parte integrante a libação invocando a protecção dos antepassados e a bênção de Deus para a acção a empreender.[2]

A missão é, pois, um caminho para ir e para voltar. Ao regressar começam naturalmente as comparações. De lá, recordam-se com saudade as celebrações cheias de cor, alegria e vida; a tenacidade dos catecúmenos adultos que se preparam para o baptismo durante vários anos, o acolhimento de cada pessoa na comunidade, o papel dos leigos e dos catequistas. Nos momentos em que a vitalidade das igrejas africanas se impõe face à aparente aridez e desolação do cristianismo europeu, recordo as palavras de uma irmã missionária, com muitos anos de missão em Moçambique. Ela costumava dizer que, devido ao clima, em África o milho produz duas vezes por ano e em Portugal só produz uma; por isso, no trabalho pastoral o importante não são os muitos ou poucos frutos, mas o empenho e a dedicação que se coloca no amanho da terra. Regressar pode ser, nesta perspectiva, uma ocasião excelente para evangelizar as Igrejas da velha Cristandade. Voltar pode ser um acto de esperança, um foco de luz que se traz de longe para uma terra arrefecida. Não tenho dúvidas de que a presença dos missionários nas suas comunidades de origem pode ser um grande estímulo para a renovação da Igreja, desafiando os cristãos a estenderam o olhar para além dos problemazinhos do seu campanário, convidando-os ao desprendimento, à partilha, ao encontro com os outros e à solidariedade.

Texto: Pe. José Antunes, SVD

Foto: Fernandesphotograph


[1] Ibid: 123.

[2] Nunca esquecerei a celebração de envio que as comunidades de Kintampo realizaram quando regressei do Ghana. As comunidades cristãs juntaram-se numa aldeia mais central, Pamdu-Paninamissa, onde celebrámos a Eucaristia debaixo das mangueiras. Devido ao ambiente de festa não recordo quase nada do que então disse. Lembro-me que, na homilia, pedi às pessoas para ajudarem e encorajarem os vários seminaristas que havia na paróquia e que, devido à emoção, não consegui terminar a última frase da missa. Após a Eucaristia, seguiu-se uma festa, onde fui presenteado com alguns objectos da região e mandioca para a viagem. Depois os representantes das várias comunidades tomaram a palavra para fazerem o send off, o envio. Recordo que agradeceram a Deus a minha estadia entre eles, invocaram a Sua bênção para a viagem e para o meu futuro campo de trabalho e pediram-me para transmitir à minha família, amigos e confrades, as saudações desta outra família da qual também já fazia parte. A terminar, em duas ou três frases, agradeci a Deus por me ter dado a graça de ter sido missionário no Ghana, de ter recebido tanta amizade e compreensão e por ter aprendido ser cristão, a ser padre e a ser Igreja.

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