segunda-feira, 12 de outubro de 2009

POR UMA IGREJA MAIS MISSIONÁRIA (2ª PARTE)

Intuições de S. Paulo para a missão hoje

AE - Na intervenção nas Jornadas Missionárias, D. António Couto focou as grandes intuições da missão em São Paulo. Que intuições são essas, e, sobretudo, de que forma se podem reflectir na Igreja contemporânea?

AC - A primeira intuição paulina é a pessoa de Cristo. S. Paulo indica que Cristo é o fundamento e mostra que devemos estar a tempo inteiro tomados por Cristo, com ele ocupados, por ele conduzidos. Só assim, vivendo de Cristo, com Cristo e para Cristo, o podemos levar às pessoas. Esta é a intuição de fundo, que resulta da própria experiência de S. Paulo. Não podemos fazer missão cristã, esquecendo Cristo.

A segunda intuição refere-se à metodologia da missão. Se eu vivo de Cristo e se Cristo é a minha vida, impõe-se então que eu leve Cristo aos meus irmãos. Que metodologia usar? No tempo de Paulo havia, na bacia do Mediterrâneo, uma forte missionação por parte do judaísmo, mas também por parte dos pregadores dos diferentes deuses pagãos. Usavam uma metodologia assente numa retórica altissonante, além de os mover o lucro e o sucesso. Ao contrário, S. Paulo apresenta-se com uma metodologia muito simples, maternal, paternal, personalizada e a tempo inteiro. Não foi, portanto, com retórica que São Paulo levou Cristo às pessoas, mas debruçando-se sobre elas com carinho, com uma atenção personalizada e a tempo inteiro.

Da segunda intuição desdobra-se naturalmente a terceira. Com a metodologia personalizada e dedicada atrás apresentada, S. Paulo não conseguia chegar ao coração de muita gente. S. Paulo percebeu assim que precisava de muitos e bons cooperadores. S. Paulo não mudou de metodologia, mas rodeou-se de uma vasta rede de cooperadores. É a terceira grande intuição.

Estas duas linhas metodológicas de S. Paulo são geniais, e constituem ainda hoje desafios actualíssimos para a nossa Igreja. Se a Igreja de hoje as adoptar, encontrará uma verdadeira mina de ouro.

A quarta intuição paulina são as cidades. No tempo de Paulo o mundo greco-romano tinha grandes cidades e grandes estradas. O sonho de Paulo era chegar a Roma o quanto antes, para chegar ao coração do mundo. S. Paulo queria chegar ao local onde nasce o mundo cultural, social, humano, tal como acontece hoje. Quando um dia entrou na famosa via Egnatia, à saída do porto de Neápolis, antes de chegar a Filipos, Paulo começou a ver Roma no horizonte. Seguiria, com seguiu para Tessalónica. Daí seguiria para Dirráquio, na costa Adriática. Atravessava o mar Adriático de barco e desembarcava em Brundísium. Seguia então a via Ápia até Roma. Mas, estando em Tessalónica, quis o Espírito que descesse à Acaia, permanecendo algum tempo em Corinto. Paulo sabia que, evangelizando o coração do mundo, que bate nas cidades, evangelizava o mundo.

É olhando maravilhado para este “Paulo de Cristo”, que o Papa Paulo VI, em 1975, na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, aponta Paulo como “modelo de cada evangelizador”. E para redigir a Evangelii Nuntiandi, a primeira grande Encíclica missionária depois do Concílio, a dez anos do Concílio, Paulo VI teve de citar mais de 100 vezes as Cartas de S. Paulo. A 25 anos do Concílio, em 1990, João Paulo II publica outra grande Encíclica missionária, a Redemptoris Missio. E também não o consegue fazer sem citar mais de 30 vezes as Cartas de S. Paulo, além de se referir muitas outras vezes à Evangelii Nuntiandi, que já citava muitíssimas vezes S. Paulo. Por último, também Bento XVI, na Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações de 2008, consagrou Paulo como “o maior missionário de todos os tempos”.

AE - Fazendo um retrato da Igreja em Portugal, como é que ela se situa nessas prioridades?

AC – A Igreja em Portugal ainda não se sente afectada, no seu todo, por estas linhas de rumo. Porém, alguma coisa se vai fazendo aqui e ali, iniciativas esporádicas. Mas acredito que vai chegar o tempo da graça para todos, em que todos viveremos a alegria de sermos evangelizadores. E haverá lugar para todos. É mesmo necessária uma rede de verdadeiros evangelizadores. Acredito que a missão há-de vir a fazer parte, como primeira prioridade, dos programas pastorais das nossas Dioceses e Paróquias.

Parece-me que temos ficado muitas vezes de braços cruzados, vendo o nosso mundo a deslizar tranquilamente para o paganismo. Se a nossa paixão é Cristo, como sucedia com Paulo, não podemos permanecer mais nessa atitude. Temos de anunciar Cristo com génio, paixão e coração. Não podemos sequer contentar-nos em fazer o que podemos. Temos de nos gastar e ser gastos, dando a vida por esta causa. Experimentaremos então, como refere João Paulo II, que a fé se fortalece, dando-a.

AE - Sobre a inteira ocupação de Cristo, a primeira intuição?

AC - Esse é o problema de fundo. Quem vive de Cristo e foi encontrado por Cristo, não pode guardá-lo para si. Tem de o anunciar. E é com alegria que tenho de dizer que muitas pessoas que sentem esta necessidade e este amor. Mas temos de aumentar esta fogueira.

Pois é igualmente verdade que muitos dos que se dizem cristãos de há muito vivem à margem de Cristo, deixando de se relacionar pessoalmente com Cristo. As solicitações deste tempo levam as crianças, os jovens e os pais para outras paragens. Não podemos continuar a lançar sobre eles a culpa, como se eles fossem os maus e nós os bons. Se acreditamos em quem acreditamos, então talvez compreendamos que a culpa impende sobre nós, que não soubemos, à imagem do Bom Pastor, ir à procura deles com amor e total dedicação.

AE - Esse contacto vital centra-se em quê?

AC – Não em quê, mas em quem. Em Cristo, obviamente. Numa relação pessoal com Cristo vivo, hoje. Não numa mera visão histórica do que se passou há dois mil anos. É o Senhor Ressuscitado, vivo e presente para sempre no meio de nós, que temos de levar às pessoas. Saiba-o ou não, é de Cristo que as pessoas necessitam verdadeiramente. É preciso abrir espaços na nossa vida, para que Cristo possa entrar em nossa casa.

Este encontro pessoal é fundamental. Só depois começam as perguntas e as respostas, os relatos da nossa vida iluminada por Cristo. É o tempo de uma mais aprofundada relação e formação.

(CONTINUA NO PRÓXIMO POST)

iN Agência ECCLESIA

Foto: JCF

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