segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

SER MISSIONÁRIO - 4ª PARTE


A partida para um outro local geográfico implica quase sempre a mudança para um outro lugar cultural. Para trás fica a cultura onde crescemos e onde adquirimos naturalmente toda uma série de hábitos e maneiras de estar, quer imitando o comportamento dos adultos, quer através da aprendizagem. No contexto cultural onde crescemos cada um sabe o papel que tem a desempenhar e como deve agir em todas as circunstâncias. Uma vez que cada ser humano nasce numa cultura específica e fica marcado por ela, partir significa romper com hábitos e com maneiras de agir, de comer e de saudar que julgávamos universalmente válidas. Partir significa, muitas vezes, não poder falar a língua materna, aprender outras formas de articular os pensamentos e expressar ideias e afectos. Só como exemplo vejamos dois excertos de cartas de S. José Freinademetz: “Da minha pessoa não se pode dizer nada de interessante, excepto, talvez, que há três semanas ando vestido de chinês, com meias brancas, calções curtos também brancos, sapatos de cânhamo com solas de feltro, uma toga que me chega aos pés e a cabeça rapada.”[1] Mas não chega a mudança exterior: “A tarefa mais importante está ainda pendente: a transformação do homem interior. O estudo da mentalidade chinesa, dos costumes e usos, do carácter e atitudes, tudo isto não é coisa de um dia, nem de um ano e não se consegue sem alguma dolorosa operação. O que até agora vi, ouvi e vivi está em violento contraste com a maneira de ver e de julgar que tive até agora.”[2]

Partir exige, quase sempre, um processo de aprendizagem social numa outra cultura. Mesmo quando a partida não requer uma deslocação geográfica para outro país pode, todavia, obrigar a uma mudança cultural. Um missionário pode ser enviado para uma zona degradada da grande metrópole, uma aldeia do interior ou para um trabalho concreto com grupos culturalmente distintos da maioria dos seus compatriotas, por exemplo, os jovens, os operários, os sem-abrigo. Se a partida geográfica é dolorosa, a  cultural não o é menos; ambas estão cheias de dificuldades e de riscos. Uma pessoa pode ir para longe do país onde nasceu e ser incapaz de apreciar as riquezas das culturas que vai encontrar. Imbuído de etnocentrismo considera a sua cultura como a cultura normativa que quer impor aos outros julgando ser a melhor de todas. A história das missões está, infelizmente, cheia de casos, onde à deslocação geográfica não corresponde a caminhada interior de ir ao encontro de quem é culturalmente diferente. Para ser missionário é necessário partir, sair de si mesmo, abandonar a segurança e o conforto resultantes da família, da sociedade e da Igreja onde se nasceu e cresceu, tendo a ousadia de dar passos em direcção ao outro que fala, pensa, come, veste, vive e reza de maneira diferente da nossa.


[1] C. Pape e J. Vergara, José Freinademetz: um tirolês que amou os chineses (Lisboa: Verbo Divino, 2003): 87-88.

[2] Ibid: 92.

Pe. José Antunes

Continua no próximo post

Foto: Arquivo


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