Ser missionário é partir
John Taylor, um bispo anglicano que, durante muitos anos, foi missionário em África afirma que a missão significa ser enviado e que nós só podemos ser enviados do lugar onde estamos para um outro lugar. Se nós ficarmos onde estávamos antes, das duas uma: ou não fomos enviados, ou então não partimos. Missão, diz ele, é ir para outro lugar. Esse lugar pode não ser apenas um outro lugar geográfico, pode ser também um outro lugar cultural, como por exemplo, ir para o meio de gente que fala com um sotaque estranho ou tem costumes e tradições diferentes dos nossos. Para Taylor, a imagem da caminhada é uma metáfora sempre válida para falar da missão. Partir, caminhar, é o passo crucial, para que o missionário se coloque no lugar do outro e reconheça as próprias limitações, tornando o seu coração dócil ao Espírito de Deus.
Partir exige sair do lugar onde se está habitualmente. Daí que toda a partida tenha uma conotação geográfica. No passado, os missionários partiam da Europa para a África, a Índia ou o Brasil; deixavam o seu país onde tudo era familiar, - o clima, a fauna, a flora, a língua, os costumes, as regras sociais, - e dirigiam-se para outros lugares geográficos regidos por outros climas, outros costumes e outras tradições. Hoje, como no passado, os missionários continuam a partir, já não só da Europa, mas também de outros continentes, sendo normal encontrar, por exemplo, missionários das Filipinas no Ghana, da Índia no Brasil, da Argentina em Angola.
A partida geográfica é sempre dolorosa. Gostaria, a este propósito e como exemplo significativo, recordar as palavras de um grande missionário do Verbo Divino, São José Freinademetz, ao despedir-se da sua pátria para ir para a China, onde permaneceria até ao fim dos seus dias. Na cerimónia de envio missionário em Steyl, Freinademetz disse que ao deixar as montanhas do seu Tirol natal, a partida fora dura e dolorosa, mas em Steyl encontrara uma nova casa. Mais tarde, a caminho da China, passará ainda pelo Tirol para se despedir. Já no barco, que acabava de largar do porto italiano de Ancona descreve, no seu diário de viagem, a emocionante despedida da família, dos amigos e da deslumbrante paisagem alpina: “Já não estamos mais em solo europeu. Que pensamento extarordinário! A pátria, os amigos e os pais ficaram para trás. Eu tinha construído a minha felicidade na minha terra. Nos primeiros passos do meu caminho sacerdotal só rosas cresceram e estava rodeado por um círculo de amigos e companheiros; porém, agora, tenho de me separar de tudo e devo começar tudo de novo num novo mundo, ganhar novos amigos, aprender uma língua nova, de certa forma começar outra vez tudo de novo. O que é que tu fizeste? - Mais exactamente, o que é que tu vais fazer? Tu salvarás almas para o céu! E o meu coração ferido ficou curado!”[1]
A partida para um outro local geográfico implica quase sempre a mudança para um outro lugar cultural. Para trás fica a cultura onde crescemos e onde adquirimos naturalmente toda uma série de hábitos e maneiras de estar, quer imitando o comportamento dos adultos, quer através da aprendizagem. No contexto cultural onde crescemos cada um sabe o papel que tem a desempenhar e como deve agir em todas as circunstâncias. Uma vez que cada ser humano nasce numa cultura específica e fica marcado por ela, partir significa romper com hábitos e com maneiras de agir, de comer e de saudar que julgávamos universalmente válidas. Partir significa, muitas vezes, não poder falar a língua materna, aprender outras formas de articular os pensamentos e expressar ideias e afectos. Só como exemplo vejamos dois excertos de cartas de S. José Freinademetz: “Da minha pessoa não se pode dizer nada de interessante, excepto, talvez, que há três semanas ando vestido de chinês, com meias brancas, calções curtos também brancos, sapatos de cânhamo com solas de feltro, uma toga que me chega aos pés e a cabeça rapada.”[2] Mas não chega a mudança exterior: “A tarefa mais importante está ainda pendente: a transformação do homem interior. O estudo da mentalidade chinesa, dos costumes e usos, do carácter e atitudes, tudo isto não é coisa de um dia, nem de um ano e não se consegue sem alguma dolorosa operação. O que até agora vi, ouvi e vivi está em violento contraste com a maneira de ver e de julgar que tive até agora.”[3]
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