sexta-feira, 30 de outubro de 2009

DECÁLOGO PARA LER A BÍBLIA


1. Nunca achar que somos os primeiros que leram a Sagrada Escritura. Muitos, muitíssiomos, através dos séculos, a leram, meditaram, viveram e transmitiram. Os melhores intérpretes da Bíblia são os santos.

2. A escritura é o livro da comunidade eclesial. A nossa leitura, ainda que seja em solidão, jamais poderá ser solitária. Para lê-la com proveito, é preciso inserir-se na grande corrente eclesial que é conduzida e guiada pelo Espírito Santo.

3. A Bíblia é “Alguém”. Por isso, é lida e celebrada ao mesmo tempo. A melhor leitura da Bíblia é a que se faz na liturgia.

4. O centro da Sagrada Escritura é Cristo; por isso, tudo deve ser lido sob o olhar de Cristo e buscando nele o seu cumprimento. Cristo é a chave interpretativa da Sagrada Escritura.

5. Nunca esquecer de que na Bíblia encontramos factos e frases, obras e palavras intimamente unidos ao outros; as palavras anunciam e iluminam os factos, e os factos realizam e confirmam as palavras.

6. Uma maneira prática e proveitosa de ler a Escritura é começar com os santos Evangelhos, continuar com os Actos dos Apóstolos e Cartas e ir misturando com algum livro do Antigo Testamento: Génises, Êxodo, Juízes, Samuel, ect. Não querer ler o livro do Levítico de uma só vez, por exemplo. Os salmos devem ser o livro de oração dos grupos bíblicos. Os profetas são a “alma” do Antigo Testamento: é preciso dedicar-lhes um estudo especial.

7. A Bíblia é conquistada como a cidade de Jericó: “dando voltas”. Por isso, é bom ler os lugares paralelos. É um método interessante e proveitoso. Um texto esclarece o outro, segundo o que diz Santo Agostinho: “ o Antigo Testamento fica patente no Novo e o Novo está latente no Antigo”.

8. A Bíblia deve ser lída e meditada com o mesmo espírito com que foi escrita. O Espírito Santo é o principal autor e intérprete. É preciso invocá-lo sempre antes de começar a lê-la e, no final, agradecer-lhe.

9. A Bíblia nunca deve ser utilizada para criticar e condenar os demais.

10. Todo o texto Bíblico tem um contexto histórico em que se originou e um contexto literário em que foi escrito. Um texto Bíblico fora do seu contexto histórico e literário é um pretexto para manipular a Palavra de Deus. Isso é tomar o nome de Deus em vão.

D. Mário, Bispo de Querétaro - Biblista – México

Foto : DR

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

MISSÃO DO ÍNDICO AO ATLÂNTICO - IRMÃ EMANUEL, FRANCISCANA MISSIONÁRIA DE MARIA (CONCLUSÃO)

Angola, Missão de alto risco

1970 marca a sua chegada a Angola, em fim de tempo colonial. A aposta da sua Missão era o trabalho social. Por isso, fundou ‘um Centro de Formação Social Profissional da Mulher Angolana, Escola particular da Missão Nossa Senhora da Luz, mas com a colaboração dos Serviços Sociais de Angola e o Instituto de Formação Social Pio XII, que o oficializou’. Tudo em nome da então tão falada emancipação da mulher: ‘meu Objectivo era libertar a mulher Angolana e fazer dela agente da sua própria libertação. “Saber e saber transmitir”. Esta escola funcionou até à Independência de Angola. Elas cresceram até se tornarem dirigentes nos Centros Sociais onde foram colocadas’.

Depois veio a alegria da independência e a desgraça da guerra. A irmã Emanuel optou ficar com o povo, por qualquer preço. As obras da Igreja foram confiscadas e as suas vozes remetidas a um silêncio forçado. A pedido do arcebispo de Luanda, D. André Muaca, fez parte da Direcção da Rádio Ecclesia, até á sua ocupação e nacionalização em 1978. Mas a sua Missão continuou...

Finalmente, Portugal...

Chegou a Lisboa em 1988 para um ano sabático na Universidade Católica. Abriu uma nova página na história da sua vida e da sua missão sem fronteiras com a nomeação para a comunidade da Venda Nova, no coração de Trás-os-Montes. Cursos Bíblicos, Encontros de Jovens, programas de Rádio, animação nas Paróquias, aulas de EMRC juntaram-se às habituais intervenções pastorais como catequista e organista. Depois desceu até Setúbal, com sete anos de Missão na Charneca da Caparica, chegando a Lisboa em 1998, com uma inserção na ‘Obra dos Sem Abrigo Vida e Paz’: ‘Aí experimentei estar com os mais pobres, os sem abrigo, os da rua, os dependentes... e quanto aprendi a aceitar as minhas próprias limitações, as minhas incapacidades a aceitar-me, antes de tudo, a mim mesmas’.

A nível Nacional, integrou a equipa das Jornadas Missionárias e o Secretariado dos Animadores Missionários Ad Gentes (ANIMAG). Faz ainda parte do Serviço de Animação Missionária do Patriarcado de Lisboa. Mais e melhor curriculum missionário numa pessoa só é impossível...ou quase!

Texto: Pe. Tony Neves - iN Jornal Voz Verdade - Perfil

Foto: JCF

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

MISSÃO DO ÍNDICO AO ATLÂNTICO - IRMÃ EMANUEL, FRANCISCANA MISSIONÁRIA DE MARIA

Nasceu e cresceu nas margens do Rio Zambeze, em Moçambique. A sua Missão de alto risco foi em Angola, nos conturbados tempos da guerra civil e dos ataques à Igreja. A Animação Missionária em Portugal tem-lhe enchido a vida e o coração nos últimos anos. Mulher de Artes, começou junto ao oceano Índico uma Missão que, nos últimos anos, tem tido uma geografia com sabor mais Atlântico.

Moçambique, o berço

Nasceu ao cair da tarde, em Vila Fontes: ‘Deram-me o nome de Maria Amélia. Nasci e a noite comigo nascia também! Recordo os anos da minha infância em que adormecia ao som dos grilos e das cigarras… e algumas vezes ao canto inconfundível das hienas… das baladas das palmeiras sacudidas pelo vento, e com um cheiro a terra tão especial que nunca se esvai das nossas narinas … Talvez, por isso o meu especial gosto gozoso pelo momento do adormecer! ‘.

O pai era despachante oficial e ela cresceu numa comunidade cosmopolita, com pessoas vindas de todo o mundo: ‘Certamente foi esta experiência das origens, que criou e desenvolveu em mim, o sentido e o apreço pelo diferente da inter-culturalidade e do inter-religioso… da tolerância na simplicidade …’.

Aos 4 anos, o pai adoeceu e a família veio a Portugal, regressando ela e a mãe à Beira quando ele faleceu. Foi lá que encontrou as Franciscanas Missionárias de Maria, frequentando o seu Colégio. De aluna a candidata a Irmã parecia ser apenas um passo, mas a entrada nas FMM só aconteceu muito mais tarde, até porque era filha única de Mãe viúva. Entrou no mercado de trabalho, mas a sua vocação era outra. O seu empenho apostólico passava pela catequese e pertença a movimentos eclesiais.

Era então Bispo da Beira o grande D. Sebastião Soares de Resende: ‘Ele foi para mim um Grande Pastor, um verdadeiro Profeta Africano….que me transmitiu a chama missionária numa luta sem precedentes pela justiça pelos povos africanos, pelo direitos humanos, que por amor gastou e ofereceu a sua breve, mas cheia vida, Foi um lutador por esta causa durante o Concílio do Vaticano II’.

Vencida por Deus, entrou nas FMM aos 25 anos. Professou em França em 1965, com o nome de Maria Emanuel.

(CONTINUA NO PRÓXIMO POST...)

Texto: Pe. Tony Neves - iN Jornal Voz Verdade - Perfil

Foto: JCF

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

MIGUEL RIBEIRO, MONTE ABRAÃO A 8 DE SETEMBRO, PARA SEMPRE... (CONCLUSÃO)

A ‘voz de Deus’

E aí, no coração de Angola, sentiu que Deus o mandou trocar um futuro de engenheiro pelo de padre. O Miguel conta como foi: ‘Angola vivia então num novo (e espero que definitivo) período de paz, que possibilitou a livre circulação de pessoas, sem medo de cair numa emboscada e serem assaltadas ou morrer. O mesmo aconteceu com os missionários um pouco por toda a Angola. No caso da Missão de Malange, o Padre Manuel Viana que era o Superior, recomeçou a visitar comunidades do interior da diocese onde já não ia há cerca de 5 anos devido à guerra. No regresso, contava-nos a maneira como muita gente caminhava 2-3 dias só para vir ao encontro do missionário que chegava e não podia ir às aldeias todas. Muitas dessas pessoas encontravam-se em situação de grave carência e fisicamente fragilizadas, mas para poder celebrar novamente a Eucaristia, nada disso contava! Aquele relato ficou a fazer-me “comichão na alma”. Pensei que Moisés terá sentido algo parecido quando o Senhor lhe disse no Horeb que escutava o grito do Seu povo. Naquele contexto, o povo de Deus também gritava pois queria celebrar a Eucaristia e não podia por faltarem missionários. A angústia era tanta que mesmo no meio de grave carência física ninguém olhava a dores para poder reviver o momento em que o céu se une à terra no sacramento eucarístico. Ainda tentei, mas não consegui ficar indiferente’.

Missionário para sempre

Regressou a Portugal e entrou no Seminário Espiritano em Setembro de 2003.

No dia 8 de Setembro, emitiu, em Barcelos, os Votos Perpétuos como Missionário do Espírito Santo, com uma presença muito forte da comunidade de Monte Abraão e dos JSF: ‘Sinto uma certa tremideira por me achar perante uma grande responsabilidade ao assumir publicamente que quero viver para sempre os votos de pobreza, castidade e obediência segundo a Regra de Vida Espiritana. É algo impossível de assumir se não existir antes uma caminhada de fé e uma grande vontade de abandono à vontade de Deus’.

Quanto ao futuro, não faz planos:Não sei se o meu futuro será em Angola, na China ou em Portugal. Espero apenas que a Igreja local onde eu trabalhar encontre em mim alguém sempre disponível para servir. Não vai ser fácil, mas já sei como se faz: é na comunhão com Jesus Cristo!

Texto: Tony Neves - iN Jornal Voz Verdade - Perfil

Foto: DR

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

MIGUEL RIBEIRO, MONTE ABRAÃO - A 8 DE SETEMBRO, PARA SEMPRE...

Estudou Engenharia, fez duas missões de um mês em Angola e decidiu avançar para uma experiência de voluntariado. Estava em Malange quando deu a notícia de que queria ser Padre. Regressou, fez a Teologia e, no dia 8 de Setembro, fez os seus Votos Perpétuos. A Missão vai correr-lhe nas veias durante toda a vida.

O berço da vocação

Descobriu o caminho da missão na catequese paroquial, no Monte Abraão, pois as catequistas estavam ligadas aos Missionários da Consolata. Feito o crisma, entrou para os Jovens Sem Fronteiras (JSF): ‘ Aí fui aprofundando o que tinha sido semeado durante os anos de catequese, e construindo (sem dar conta) uma base sólida para a minha consagração à missão’.


Foi na Paróquia que aprendeu a “ouvir” Deus: ‘Sempre foi uma comunidade à escuta do que se passa nas igrejas de outras partes do mundo. A isso não será alheio o trabalho do primeiro pároco, o Padre Fernando de Cima, ele próprio missionário em Angola. O falecido Padre Francisco José incentivou ainda mais a oração quotidiana pelas vocações. O Padre Jacob continua este trabalho e acolhe-me como um filho da terra, apesar da pouca ajuda que hoje posso dar na comunidade por me encontrar a estudar no Porto. Dos paroquianos sempre recebi manifestações de um carinho muito grande, junto com um enorme apoio material e espiritual’.

Missão aqui e em África

A primeira Missão do Miguel foi no Alentejo, em Sobral da Adiça numa Semana Missionária no Verão de 1995. Nos anos seguintes, foi até Angola, realizando ‘Pontes’ em Malange e Huambo. Marcado por estas experiências quis fazer uma Missão mais longa e partiu em 2002 para Malange: ‘Desta vez fui sozinho e integrei-me no trabalho da paróquia da catedral onde trabalham ainda os espiritanos e onde já estavam há mais de um ano duas JSF que me ajudaram muito na integração inicial. Os trabalhos principais que eu tinha eram as aulas de Matemática e Física no Seminário Propedêutico Espiritano e a implementação de uma bomba de água num local remoto, accionada por um painel foto voltaico’.

(CONTINUA NO PRÓXIMO POST)

Texto: Tony Neves iN Jornal Voz Verdade - Perfil

Foto: DR

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

783 MISSIONÁRIOS PORTUGUESES NO MUNDO


Missionários/as Ad Gentes

O ano de 2009 tem 783 missionários portugueses espalhados pelo mundo.

A confirmação chega pelas Obras Missionárias Pontifícias que apresenta um relatório sobre a Missão Ad Gentes em 2009, em pleno Outubro dedicado às Missões.

Segundo o relatório enviado à Agência ECCLESIA, os missionários são na sua maioria mulheres - 439 mulheres e 284 homens - bem como 60 leigos/as.

África é o continente que mais recebe missionários. Ao todo encontram-se 355 missionários no continente africano – 165 homens e 190 mulheres. Dentro deste, Moçambique destaca-se: em 2009 acolheu 79 missionários e 81 missionárias.

Angola surge em segundo lugar como país de acolhimento – 39 homens e 69 mulheres.

No fundo da tabela africana encontra-se a Tanzânia que recebeu um missionário e o Burkina Faso, a Costa do Marfim, o Mali, Marrocos, Zâmbia com uma missionária respectivamente.

O continente americano é o segundo a receber mais missionários, num total de 64. O Brasil é o país eleito, com 50 no total, em 2009.

Já entre as missionárias, o segundo continente com maior acolhimento é a Europa, num total de 118. Itália está na linha da frente do acolhimento com 35 missionárias.

A Ásia é o continente que menos recebe missionários, sejam homens ou mulheres. Em 2009, este continente recebeu 26 missionários e 28 missionárias. Aqui destacam-se o Japão, Filipinas e Índia com práticas de acolhimento.

Leigos/as Ad Gentes

Também entre os leigos, África é o continente de destino com maior número de voluntários missionários. Num total de 60, 48 leigos foram missionários em África.

Moçambique acolheu 28 leigos voluntários, logo seguido de Angola, com 10. São Tomé e Príncipe recebeu sete leigos, Cabo Verde dois e a República Centro Africana recebeu um.

A Ásia é o segundo país a acolher mais voluntários missionários. Timor acolheu cinco, Taiwan acolheu um voluntário, tal como a Tailândia.

O continente sul americano surge em último, apenas com cinco leigos a trabalhar no Brasil.

iN Agência Ecclesia

Foto: DR

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

LÁGRIMAS DE FELICIDADE (Conclusão)

Missão em Angola

A guerra fez com que a corrupção tenha chegado a níveis difíceis de imaginar. Um simples exemplo: ao ser parado pela polícia, antes de pedir os documentos ou verificar outros aspectos, a primeira coisa que se vai escutar é: «Vais pagar o carregamento do meu telemóvel?» Ora, em números mínimos, estamos a falar de sete euros! Se não o fizeres, as coisas começam a complicar-se. A política de gasosa, como aqui se chama, mostra como o suborno foi entrando na sociedade. Partindo das camadas mais altas, chega até aos funcionários e aos trabalhadores mais simples. Um aluno passará mais facilmente de ano recorrendo a este tipo de esquemas. Um professor, para ser colocado mais perto da cidade, terá de entrar no esquema. Se alguém pretende receber um documento qualquer, num tempo razoável, em vez de esperar meses ou anos, é questão de entrar no esquema. Este fenómeno é tão comum como se existisse desde o tempo de Adão e Eva. A Igreja tem de denunciar tudo o que vai contra a dignidade da pessoa e do bem comum. A rádio Ecclesia ainda não chega a todos os lugares, assim como, os jornais ou a internet. No entanto, o trabalho de consciencialização e mudança de mentalidade já se tornam visíveis.

Não é fácil trabalhar no sentido mencionado. Há muitas dependências, sobretudo nos lugares onde se sente a falta dos bens elementares ou os preços são tão elevados que não se pode comprar mesmo aquilo que parece necessário. Só para dar um exemplo: uma garrafa de água mineral de litro e meio custa quase dois euros, o que corresponde a nove litros de gasóleo! Como podemos dizer às mães que dêem água mineral às crianças, se o preço é tão alto e ela própria não trabalha! E, se ainda para complicar, depois de ficar grávida, abandonada pelo namorado!

Mas não podemos ver tudo tão escuro. Quem já vive há algum tempo em Angola pode dar-se conta que este país é um país de esperança, onde o povo, na sua humildade, irá conquistar melhores condições.

Algo que nos falta aos europeus é alegrarmo-nos com as coisas mais pequenas que temos. Que alegria a de uma criança angolana quando recebe uma caneta ou uma bolacha! Nem se compara à alegria das crianças nos países desenvolvidos para quem a Play Station ou a boneca Barbie são o pão de cada dia.

Posso não ser um modelo de missionário, mas tenho a consciência de que dou de mim o que melhor tenho. Ponho a confiança no nosso Pai que conhece o coração de cada um de nós. Não esperamos lucros, prémios, nem reconhecimentos. Pedimos apenas a vossa oração para que esta força de vontade de servir aos mais desprezados e humildes nunca nos falte.

Ainda falando de prémios, eu já recebi o meu. Um dia no grupo juvenil fiz um pequeno teste onde coloquei várias perguntas. Uma delas dizia o seguinte: «Quem é, para ti, a pessoa de referência?» Imaginei que iriam mencionar alguns nomes, tais como Madre Teresa de Calcutá, João Paulo II, etc. Para meu espanto, entre as várias respostas, começou a aparecer o meu nome. Perguntei, então, porquê eu? Eis a resposta que me deram: «Desde que o padre Emílio está connosco muita coisa mudou para melhor e você nos ensina muita coisa boa, sempre tem tempo para nos ajudar e estar connosco». Não poderei negar que o meu coração se encheu com lágrimas de felicidade.

Pe. Emílio Kalka - Missionário do Verbo Divino em Angola

iN Jornal Contacto SVD, nº 175 (Set-Out09)

Foto: DR

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

LÁGRIMAS DE FELICIDADE

MISSÃO EM ANGOLA

A missão do Nzeto, onde trabalho, situa-se no norte de Angola. Em 1982 foi assumida pela Congregação do Verbo Divino. No ano seguinte, as Irmãs Servas do Espírito Santo juntaram-se a nós. Desde aquela data os Missionários do Verbo Divino estiveram sempre ao serviço destas comunidades; nem o tempo da guerra nos fez abandonar a missão. Pelo contrário, foi um período de fortalecimento dos laços entre as duas congregações e a população em geral. O tempo de guerra levou à descoberta da Igreja na sua universalidade e que o seu caminho é o homem sem distinção de cor, etnia, opção política, confissão ou religião. O lugar que a Igreja católica tem hoje na sociedade angolana é, em grande parte, fruto do sacrifício dos missionários e das missionárias, assim como dos leigos, que tiveram a coragem de permanecer junto com o povo nos tempos mais difíceis, às vezes, dando até a própria vida.

Cheguei ao Nzeto em Novembro de 2005, depois dos meus estudos em Portugal, onde pude viver também a experiência pastoral na paróquia do Prior Velho e na comunidade de Terraços da Ponte (naquela altura mais conhecida como a Quinta do Mocho). Hoje dou graças a Deus por toda experiência que vivi na terra lusitana. Chegando a Angola, tive de entrar numa realidade que não foi muito fácil. O espírito tinha muita vontade, mas o corpo precisava de se habituar a este novo mundo. É verdade que no início me habitou a tentação de voltar, não por causa do cozido à portuguesa, do arroz de cabidela ou do famoso bacalhau, nem pelo facto de deixar um terço do meu coração junto dos meus amigos, mas sobretudo porque me sentia inútil. As contas que fazia eram assustadoras. Nos primeiros cinco meses no Nzeto tive sete paludismos; no total mais que sessenta dias de cama. Pensei então: que pode valer um missionário que fica sempre na cama? Mas, como aqui se diz: Deus é grande! Hoje o meu corpo já se habituou e passa as malárias com mais facilidade.

Em 2005, no Nzeto, além da população local, vivia apenas um senhor português (o seu filho era antigo jogador do Sporting de Braga). Eu tornei-me o “segundo branco da vila”. Hoje a realidade mudou. Por causa da reconstrução do país temos no Nzeto várias empresas, cujos trabalhadores são de diversos países, tais como: China, Líbano, Israel, Ucrânia, Brasil, Itália, Namíbia, África do Sul e, obviamente, Portugal. Os portugueses são actualmente um número considerável.

É aqui que nasce um novo desafio para esta missão. Que fazer para que estas pessoas possam integrar-se na comunidade cristã? Normalmente são homens que deixaram a sua terra e a família para a poderem sustentar melhor. As condições a que este tipo de trabalho os expõe, e a própria alimentação, fazem com que o seu espírito tenha de ser forte para não perderem os valores que aprenderam ao longo da vida.

Após a guerra, com a melhoria das condições, do desenvolvimento em geral, o sentido de paz e de segurança começou a crescer na população de Angola. O próprio modo africano de olhar a vida faz com que as famílias sejam muito numerosas. Ainda hoje há muitos homens com várias mulheres com as quais têm filhos que se tornam uma herança para eles. Aqui a Igreja têm muito para fazer. Na sua visita, o Papa Bento XVI, entre vários aspectos, destacou a recuperação dos valores humanos e familiares.

(CONTINUA NO PRÓXIMO POST)

Pe. Emílio Kalka - Missionário do Verbo Divino em Angola

iN Jornal Contacto ,SVD, nº 175 (Set-Out '09)

Foto: DR

terça-feira, 13 de outubro de 2009

POR UMA IGREJA MAIS MISSIONÁRIA (CONCLUSÃO)


Estudar a Missão

AE – Qual a importância das Jornadas Missionárias?

AC - As Jornadas, organizadas anualmente, são um ponto de encontro e um ponto de partida. Uma verdadeira plataforma de múltiplos encontros que atinge pessoas envolvidas no trabalho missionário, dentro e fora de Portugal, mas que acolhe também muitos que chegam pela primeira vez. Uns trazidos por amigos, outros para ver o que é e como é, outros porque, sabendo-o ou não, Deus os enviou para cá. É um belo tempo de encontros e partilhas. Só por isto, já seria importante a sua realização. Mas há também desafios e provocações, sementes que são lançadas, não para o ar, mas para o coração das pessoas. É a oração, a música, a reflexão feita, que hão-de deixar novos dinamismos em quem vem.

AE - É possível ser missionário sem se sair de casa?

AC – Sim, é possível. Basta ter um coração aberto ao mundo e amar. Santa Teresinha do Menino Jesus foi proclamada padroeira das missões, e nunca saiu do convento. Mas tinha um coração à dimensão de Deus e de todos os irmãos do mundo. Escreveu: “No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor”. Escreveu em papel e na vida.

Um missionário não se mede pelas inúmeras viagens que possa fazer. Um cristão que não esteja em comunhão com as pessoas do mundo e apenas se preocupe com a sua paróquia, obviamente vive na cadeia. É preciso viajar também por dentro. Fazer viagens intransitivas, rasgar avenidas no próprio coração.

Depois, não há dicotomia entre ser cristão e ser missionário. Às vezes somos levados pensar que somos muitos cristãos, mas que há poucos missionários, porque pensamos que são duas coisas diferentes. Ora, temos de tomar consciência de que não duas vocações: primeira e fundamental, a vocação cristã, a que se pode vir, porventura, um dia a acrescentar a missionária. Trata-se de uma visão incorrecta, embora muito difundida. Na verdade, há apenas uma única vocação, pois ser cristão e ser missionário é a mesma coisa.

AE - A missão era entendida como ir para outros Continentes, mas cada vez se fala mais de uma missão na Europa…

AC – Durante muito tempo, passou-se a ideia os missionários eram os que deixavam a sua terra e partiam para outras paragens. A missão era levada a cabo por especialistas, uma espécie de super-homens, que integravam Institutos Missionários. Nesse tempo, a Igreja local, a diocese e a paróquia, mal conhecia, mal via os missionários, e pensava que a missão era só para essa espécie de super-homens. Não era tarefa da Igreja local e do cristão comum. A Igreja local e o cristão comum, quando muito, contribuíam com a sua esmola, no Dia Missionário Mundial, para apoiar os missionários lá longe.

O II Concílio do Vaticano alterou em muito esta concepção, fazendo ver que o sujeito primeiro da missão é a Igreja local ou particular. Entenda-se: somos missionários e todos somos responsáveis pela missão. A mudança veio dizer que a missão não é obra de especialistas, mas que a diocese e a paróquia são missionárias. E que todos os cristãos, por motivo do seu baptismo, são igualmente missionários. É óbvio que, se espaço da Diocese e da Paróquia, há missionários por toda a vida, de doação radical e total, então é toda a Diocese e Paróquia que serão também enriquecidas com esse dom. Mas esse dom está integrado na Igreja local, e não à margem dela.

É assim que cada Igreja local ou particular se torna sujeito primeiro da missionação. Missão inadiável e não delegável.

iN Agência Ecclesia

Foto: JCF

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

POR UMA IGREJA MAIS MISSIONÁRIA (2ª PARTE)

Intuições de S. Paulo para a missão hoje

AE - Na intervenção nas Jornadas Missionárias, D. António Couto focou as grandes intuições da missão em São Paulo. Que intuições são essas, e, sobretudo, de que forma se podem reflectir na Igreja contemporânea?

AC - A primeira intuição paulina é a pessoa de Cristo. S. Paulo indica que Cristo é o fundamento e mostra que devemos estar a tempo inteiro tomados por Cristo, com ele ocupados, por ele conduzidos. Só assim, vivendo de Cristo, com Cristo e para Cristo, o podemos levar às pessoas. Esta é a intuição de fundo, que resulta da própria experiência de S. Paulo. Não podemos fazer missão cristã, esquecendo Cristo.

A segunda intuição refere-se à metodologia da missão. Se eu vivo de Cristo e se Cristo é a minha vida, impõe-se então que eu leve Cristo aos meus irmãos. Que metodologia usar? No tempo de Paulo havia, na bacia do Mediterrâneo, uma forte missionação por parte do judaísmo, mas também por parte dos pregadores dos diferentes deuses pagãos. Usavam uma metodologia assente numa retórica altissonante, além de os mover o lucro e o sucesso. Ao contrário, S. Paulo apresenta-se com uma metodologia muito simples, maternal, paternal, personalizada e a tempo inteiro. Não foi, portanto, com retórica que São Paulo levou Cristo às pessoas, mas debruçando-se sobre elas com carinho, com uma atenção personalizada e a tempo inteiro.

Da segunda intuição desdobra-se naturalmente a terceira. Com a metodologia personalizada e dedicada atrás apresentada, S. Paulo não conseguia chegar ao coração de muita gente. S. Paulo percebeu assim que precisava de muitos e bons cooperadores. S. Paulo não mudou de metodologia, mas rodeou-se de uma vasta rede de cooperadores. É a terceira grande intuição.

Estas duas linhas metodológicas de S. Paulo são geniais, e constituem ainda hoje desafios actualíssimos para a nossa Igreja. Se a Igreja de hoje as adoptar, encontrará uma verdadeira mina de ouro.

A quarta intuição paulina são as cidades. No tempo de Paulo o mundo greco-romano tinha grandes cidades e grandes estradas. O sonho de Paulo era chegar a Roma o quanto antes, para chegar ao coração do mundo. S. Paulo queria chegar ao local onde nasce o mundo cultural, social, humano, tal como acontece hoje. Quando um dia entrou na famosa via Egnatia, à saída do porto de Neápolis, antes de chegar a Filipos, Paulo começou a ver Roma no horizonte. Seguiria, com seguiu para Tessalónica. Daí seguiria para Dirráquio, na costa Adriática. Atravessava o mar Adriático de barco e desembarcava em Brundísium. Seguia então a via Ápia até Roma. Mas, estando em Tessalónica, quis o Espírito que descesse à Acaia, permanecendo algum tempo em Corinto. Paulo sabia que, evangelizando o coração do mundo, que bate nas cidades, evangelizava o mundo.

É olhando maravilhado para este “Paulo de Cristo”, que o Papa Paulo VI, em 1975, na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, aponta Paulo como “modelo de cada evangelizador”. E para redigir a Evangelii Nuntiandi, a primeira grande Encíclica missionária depois do Concílio, a dez anos do Concílio, Paulo VI teve de citar mais de 100 vezes as Cartas de S. Paulo. A 25 anos do Concílio, em 1990, João Paulo II publica outra grande Encíclica missionária, a Redemptoris Missio. E também não o consegue fazer sem citar mais de 30 vezes as Cartas de S. Paulo, além de se referir muitas outras vezes à Evangelii Nuntiandi, que já citava muitíssimas vezes S. Paulo. Por último, também Bento XVI, na Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações de 2008, consagrou Paulo como “o maior missionário de todos os tempos”.

AE - Fazendo um retrato da Igreja em Portugal, como é que ela se situa nessas prioridades?

AC – A Igreja em Portugal ainda não se sente afectada, no seu todo, por estas linhas de rumo. Porém, alguma coisa se vai fazendo aqui e ali, iniciativas esporádicas. Mas acredito que vai chegar o tempo da graça para todos, em que todos viveremos a alegria de sermos evangelizadores. E haverá lugar para todos. É mesmo necessária uma rede de verdadeiros evangelizadores. Acredito que a missão há-de vir a fazer parte, como primeira prioridade, dos programas pastorais das nossas Dioceses e Paróquias.

Parece-me que temos ficado muitas vezes de braços cruzados, vendo o nosso mundo a deslizar tranquilamente para o paganismo. Se a nossa paixão é Cristo, como sucedia com Paulo, não podemos permanecer mais nessa atitude. Temos de anunciar Cristo com génio, paixão e coração. Não podemos sequer contentar-nos em fazer o que podemos. Temos de nos gastar e ser gastos, dando a vida por esta causa. Experimentaremos então, como refere João Paulo II, que a fé se fortalece, dando-a.

AE - Sobre a inteira ocupação de Cristo, a primeira intuição?

AC - Esse é o problema de fundo. Quem vive de Cristo e foi encontrado por Cristo, não pode guardá-lo para si. Tem de o anunciar. E é com alegria que tenho de dizer que muitas pessoas que sentem esta necessidade e este amor. Mas temos de aumentar esta fogueira.

Pois é igualmente verdade que muitos dos que se dizem cristãos de há muito vivem à margem de Cristo, deixando de se relacionar pessoalmente com Cristo. As solicitações deste tempo levam as crianças, os jovens e os pais para outras paragens. Não podemos continuar a lançar sobre eles a culpa, como se eles fossem os maus e nós os bons. Se acreditamos em quem acreditamos, então talvez compreendamos que a culpa impende sobre nós, que não soubemos, à imagem do Bom Pastor, ir à procura deles com amor e total dedicação.

AE - Esse contacto vital centra-se em quê?

AC – Não em quê, mas em quem. Em Cristo, obviamente. Numa relação pessoal com Cristo vivo, hoje. Não numa mera visão histórica do que se passou há dois mil anos. É o Senhor Ressuscitado, vivo e presente para sempre no meio de nós, que temos de levar às pessoas. Saiba-o ou não, é de Cristo que as pessoas necessitam verdadeiramente. É preciso abrir espaços na nossa vida, para que Cristo possa entrar em nossa casa.

Este encontro pessoal é fundamental. Só depois começam as perguntas e as respostas, os relatos da nossa vida iluminada por Cristo. É o tempo de uma mais aprofundada relação e formação.

(CONTINUA NO PRÓXIMO POST)

iN Agência ECCLESIA

Foto: JCF

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

POR UMA IGREJA MAIS MISSIONÁRIA


O presidente da Comissão Episcopal das Missões, D. António Couto, fala dos desafios que se colocam à difusão do Evangelho nos nossos dias

2008 foi um ano grande para a Missão em Portugal. Em pleno Ano Paulino foi celebrado o I Congresso Missionário Nacional, com mais de mil participantes. Em declarações à Agência ECCLESIA, o presidente da Comissão Episcopal das Missões, D. António Couto, fala do percurso percorrido desde então e dos desafios que a semente do Evangelho deposita no coração da Igreja.

Agência ECCLESIA (AE) – Depois do Congresso Missionário de 2008, qual foi a dinâmica que se criou na Igreja portuguesa a partir desse encontro?

D. António Couto (AC) – Duas dinâmicas saíram do Congresso: uma prática e imediata, e outra de fundo, a requerer estudo, e, portanto, a médio prazo.

A primeira nasce no seio do próprio Congresso, entre os participantes, e naquilo que cada um levou consigo. Quem participou no Congresso levou consigo naturalmente algumas motivações e provocações. Estiveram presentes bispos, sacerdotes e leigos, estes em maior número. E talvez seja no sector dos leigos que se esteja a operar, já de há uns tempos a esta parte, e no bom sentido, a maior viragem.

A segunda, que ficou assinalada nas conclusões do Congresso, foi a solicitação à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) da elaboração de um documento-base para a missão em Portugal.

Esse pedido foi considerado no plenário da CEP, em Novembro de 2008, logo após a realização do Congresso. A CEP aceitou o pedido por unanimidade e incumbiu a Comissão Episcopal das Missões da elaboração do referido documento.

A Comissão Episcopal das Missões e o Conselho Nacional das Missões acordaram as linhas fundamentais desse documento, que já recebeu duas redacções, e está actualmente em apreciação por todos os envolvidos. Na próxima Assembleia Plenária da CEP, marcada para Novembro, o documento poderá ser apresentado para discussão.

Este documento, acredito, poderá criar novas dinâmicas na Igreja em Portugal, em especial no âmbito das dioceses e paróquias, mas também nos Institutos Missionários e de todos quantos vivem o problema missionário. Esta dinâmica tem de chegar às paróquias. Como disse muito bem João Paulo II, as paróquias são a Igreja no meio dos seus filhos e das suas filhas, e é lá, nesse humaníssimo chão, que se podem estabeler relações novas, próximas e acolhedoras.

AE - A Igreja está à espera deste documento para criar um novo dinamismo? O envolvimento pessoal não correspondeu às expectativas criadas?

AC - Houve o envolvimento possível. Do Congresso Missionário não saiu nenhuma organização concreta. Saíram desafios que podem estimular as organizações que já existiam, e que podem eventualmente gerar novas dinâmicas. As organizações já existentes passam pelo voluntariado, que cada vez contagia mais jovens, sobretudo nos meios universitários, e também pelos grupos que andam associados aos diferentes Institutos missionários. Estes dinamismos já existiam, portanto. O que desejamos é que a dinâmica missionária chegue a mais gente, atingindo também o coração das Dioceses e Paróquias.

No que diz respeito ao documento, é preciso ter a noção realista de que leva o seu tempo de discussão, análise e elaboração. Acredito que poderá ajudar a dinamizar a Igreja, aos seus diversos níveis, não deixando ninguém indiferente.

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iN AGÊNCIA ECCLESIA

Foto: JCF